quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Empatia

Carmen Sílvia Musa Lício

Assisti outro dia a um filme que vocês, assim como eu, já devem ter assistido. Levei-o para rever com a minha mãe, pois é um clássico: “O Julgamento de Nuremberg”.

Além de muito bem feito, com ótimos atores, nos traz um assunto já bastante discutido: o extermínio de 2,5 milhôes de judeus, sem uma razão, qualquer que seja, plausível. Neste filme aparece um psicólogo que fica encarregado de cuidar da parte psicológica dos militares alemães que seriam julgados pelos crimes cometidos contra os judeus. Lá pelas tantas, ele, um judeu, que não conseguia entender como um ser humano poderia cometer aquelas atrocidades a tantos outros seres, também humanos, fala que depois de muito pensar e avaliar os presos, chegou à conclusão que todos eles, apesar das diferenças, tinham algo em comum: a falta de empatia... Ele repetiu isto por várias vezes, e isto acabou ficando na minha mente...

Empatia é colocar-nos no lugar de outra pessoa tentando entender como ela se sentiria diante de algum acontecimento ou de algo que lhe dissermos...

Estamos vivendo uma época onde as pessoas tentam entender o que elas próprias estão sentindo, tentando satisfazer às suas próprias vontades e necessidades. Está cada vez mais difícil colocar-nos no lugar da pessoa com quem estamos falando, tentando ver se ela está entendendo o que dizemos, se não a estamos ofendendo, enfim, tentando ver como nós nos sentiríamos se alguém nos falasse ou tratasse como a estamos tratando...

A primeira vez que escutei a palavra empatia, e a entendi completamente, foi na faculdade de enfermagem (nos idos de 1973), numa aula de psicologia. Achei muito interessante e percebi que havia escolhido a carreira de enfermagem devido a esta “tal da empatia”, pois sempre procurei tratar os outros de uma forma digna, que não viesse a ofende-los, humilha-los ou o que quer que seja...

Quando perdi a minha irmã, com 15 anos, vítima de acidente de carro, fiquei surpresa com a minha facilidade de tomar as devidas providências, sem criar mais problemas do que os que já foram criados por outrem. Nesta época estava com 17 anos e estava decidida a me tornar uma física nuclear (vejam só!).

Este acidente mudou o rumo da minha vida...

Durante quase um mês, fiquei andando de um hospital para outro para ver como estava cada um dos acidentados (meus pais e minha irmã); comecei a ver como as pessoas ficam fragilizadas numa hora dessas, tanto os acidentados quanto os familiares e amigos. Aí, comecei a ver que este era um campo onde eu gostaria de atuar, tentando minimizar a dor, tanto física quanto emocional, de todos os envolvidos... Sempre gostei de lidar com pessoas...

Desde então, vejo a enfermagem, não como um sacerdócio (só me faltava esta!), mas como uma das missões da minha vida... Algumas vezes pensei em mudar de profissão devido à falta de reconhecimento, tanto profissional quanto monetário (posso dizer “remuneratório”?), pois, como eu dizia há 30 anos atrás, “a enfermagem teve um passado duvidoso, um presente incerto e talvez um futuro não muito brilhante”.

Nestes 30 anos de jornada, já passei por muitas fases e situações completamente diferentes umas das outras. Também muita coisa mudou com relação à enfermagem, sendo que a mesma já é reconhecida por outros profissionais e também pelos pacientes (só falta o retorno monetário). Agora podemos dizer que a enfermagem já tem um presente duramente conquistado, e um futuro promissor, com um retorno maior em todos os aspectos...

Mas voltando à empatia, deveríamos tentar passar para esta nova geração, através da educação informal (em casa), da educação escolar, da mídia... o conceito e a vivência da palavra “empatia” e, desta forma tentarmos diminuir a violência, a falta de compaixão pelo próximo e as mazelas sociais... Só assim, creio, poderemos ter esperança de um mundo melhor, sem tanto egoísmo e, quem sabe, até um pouco mais altruísta, mais sincero, mais justo...

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Saúde x Educação

Carmen Sílvia Musa Lício

Que título, hein? Você deve estar estranhando, pois uma coisa não invalida a outra e devem andar juntas... Quando vejo a ênfase dos políticos em considerar a educação prioridade, esquecendo-se de falar da saúde, fico muito preocupada!

Realmente, um povo que recebe uma educação de qualidade tem mais condições de melhorar o seu nível sócio-econômico-cultural, levando o país a um maior crescimento em todos os aspectos... Só que não consigo ver a educação como prioridade, sozinha, deixando a saúde a "Deus dará".

Um povo sem saúde pode freqüentar a escola e aprender? Uma pessoa só pode pensar em aprender se tem as suas necessidades básicas atendidas, por isto instituíram a merenda escolar; para garantir que pelo menos na escola a criança tenha uma refeição que a torne capaz de prestar atenção à aula, e não ao ronco do seu estômago. Isto sem falar que criança anêmica, com vermes ou “sei lá o que mais” não consegue nem prestar atenção às aulas; muito menos aprender.

Você deve estar se perguntando:- "Para que toda esta conversa?". Acontece que há um bom tempo tem sido mostrado na mídia que os países em desenvolvimento que conseguiram “um lugar ao sol” investiram muito em educação... É é verdade, China e Portugal que o digam... Mas não consigo deixar de falar da necesidade premente de uma reestruturação da saúde em nível nacional, tanto da atenção primária (postos de saúde voltados para a saúde preventiva), da atenção secundária (clínicas de especialidade com especialistas em número suficiente para a demanda), e da atenção terciária (hospital de referência para tratamentos mais complexos, cirurgias...).

As autoridades competentes deveriam dar prioridade a uma política de atenção à saúde sem demagogia, com uma implementação à "toque de caixa", antes que esta nova geração fique com a saúde comprometida a tal ponto que não consiga estudar e apreender e, com isto, não conseguirmos mudar a nossa história.

Será que a saúde tem cura??? Esperemos que sim!

domingo, 16 de janeiro de 2011

Fluxo do Cipó da Volta

Carmen Sílvia Musa Lício

Estava em meu ambiente de trabalho quando, após as múltiplas tarefas que me são imputadas como funções da minha ossada, ou melhor, alçada, fui verificar se havia algo mais na minha pasta de enfermeira para providenciar... Separei por setores (vigilância epidemiológica, relatórios diversos, pedidos de Oxigênio, visitas domiciliares...) e coloquei nos devidos lugares para providenciar.

De repente, não mais que de repente, vi no meio da papelada um processo de Ouvidoria (em outras palavras, reclamação) que exigia resposta imediata!!! Resolvi ler o conteúdo da reclamação, já que havia tanta urgência e, qual não foi minha surpresa ao saber que a reclamante dizia não ter sido informada, quando da remoção de seu neto de 4 anos até o PS mais próximo, que a ambulância não poderia esperar para traze-la de volta até o “recôndito do seu lar”!!! Reclamava ainda que, como tinha vindo às pressas à nossa UBS trazer o neto para um atendimento de urgência não teve tempo para se lembrar de trazer documentos e dinheiro para a passagem de volta, tendo que retornar ao seu lar “como indigente”. Não é "meigo"?

Só me faltava esta!!! Além de providenciar o atendimento médico com rapidez e conseguir uma ambulância com muita dificuldade, pois ambulância em nosso sistema de saúde é uma raridade, agora temos que nos preocupar em saber se a “fulana” está devidamente “documentada”, “endinheirada”, enfim, preparada para ser atendida no PS, sem documentos dela e do menor em questão, e sem condições para o seu retorno e até para tomar um lanche, caso necessário.

Ah! Muito importante! Também devemos saber se há assistente social no PS, e, de preferência, se a mesma tem recursos para fornecer a passagem de volta para a avó e a criança...

Ela se esqueceu, sim!!!

Esqueceu-se de agradecer a nossa presteza em socorrer seu neto, apesar de não haver trazido documento algum, nem dela nem do infante; de agradecer por providenciarmos com presteza uma ambulância para a sua remoção, apesar de não termos nenhuma comprovação de que ela é quem diz ser, enfim, sem documentos que os identificasse; se esqueceu ainda de agradecer ao pessoal do PS, que atendeu e cuidou da criança sem exigir qualquer documento para que tal acontecesse.

Só não se esqueceu de reclamar!!!

Agora, quanto a ter tido que voltar “como uma indigente”, me diga, por favor, o que é uma pessoa que é atropelada na rua sem documentos? Uma indigente! Caso alguém morra e ninguém reclame o seu corpo, não será enterrada como indigente??? Pois é...

Agora, ao responder esta queixa de ouvidoria, cheguei à conclusão de que talvez também seja minha função escrever um “Fluxo do Cipó da Volta”. Dá para acreditar???

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Vida Transformada.

Carmen Sílvia Musa Lício

Um dia, em meados de 2002, eu estava no posto de saúde onde trabalho, atendendo, como sempre. Nesta época eu era auxiliar de chefia e tentava, dentro do possível, resolver os casos mais difíceis que chegavam...

Fui procurada por um senhor de aproximadamente 60 anos, Carlos Eduardo, com suspeita de câncer de língua. Estava muito difícil conseguir uma vaga em qualquer hospital de referência, pois as portas estavam fechadas, inclusive as vagas de “câncer de boca” para o ano já estavam lotadas e estávamos ainda no mês de maio!!!

Demorei uns 20 dias, ligando para onde você possa imaginar. Enfim consegui uma “alma caridosa” que passou por cima das regras, benditas regras, e conseguiu a consulta mais rapidamente. Após a biópsia, o diagnóstico. Vinha então um novo desafio. Ele foi encaminhado para fazer radioterapia no ABC e não tinha dinheiro para a condução (2 intermunicipais e 4 municipais) e o tratamento durava 40 dias. Liguei para muitas pessoas para ver uma maneira de conseguir, e, finalmente, consegui que ele fizesse o tratamento...

Conversei muito com ele, sobre a necessidade de não mais fumar nem beber, fazer o tratamento direitinho e que, humanamente, estávamos fazendo tudo que era possível. Incentivei-o também a procurar alguma dessas igrejas que têm o dom de cura e que não lhe “cobrasse dinheiro”. E assim foi; parou de fumar e beber e fez uma campanha de oração em uma igreja.

Após a quimioterapia, sofreu uma cirurgia que retirou uma parte lateral posterior da língua. Estava muito magro e fraco; morava sozinho. Disse que a família não se importava com ele (talvez por ser alcoolista). Não me ative muito à família, pois deu para perceber que os relacionamentos familiares estavam rompidos.

Conseguiu com a assistente social do hospital onde fez a cirurgia um alimento completo que vinha em caixas tipo longa vida. Mal conseguia se alimentar, tendo sido necessário colocar uma sonda naso-gástrica por onde introduzia o líquido...
De vez em quando vinha nos procurar para lavar a sonda, que entupia devido ao líquido ser espesso. Nesta época confesso que pensei que não conseguiria superar esta fase, pois estava muito abatido, tanto física quanto emocionalmente. Isto me preocupou, pois era uma brecha para a doença evoluir... Procurei melhorar seu estado de ânimo e continuei a falar que “para Deus não há impossíveis”... Fez um tratamento de fono e conseguiu reabilitar a sua fala!!! Ficamos muito felizes. A cada vitória, comemorávamos juntos.

Perdi o contacto com ele... De vez em quando o encontrava na rua e conversávamos um pouco...

Após muito tempo veio me procurar um senhor perguntando se eu estava me lembrando dele. Olhei com atenção e vi que a sua fisionomia era familiar (o engraçado é que eu sou boa fisionomista)... Quando ele começou a falar percebi que era “o próprio, ao vivo e a cores”!!! Estava completamente mudado. Mais gordo (não obeso), corado, alegre, falante. Foi um momento inesquecível!!
Após uns 4 anos de “capítulo após capítulo” eu o via renovado, tanto fisica quanto emocionalmente!!!

Contou que estava completamente curado, com alta médica e tudo; que conseguiu, através daquela assistente social, uma aposentadoria de um salário mínimo que dava para os seus gastos pessoais. Então me falou que, através de um amigo, pela internet, reencontrou um irmão que tinha “ se perdido pela vida e pelo mundo” há mais de 20 anos, que estava morando com a família em Curitiba e que já fora visitá-lo!

E tem mais, conseguiu o bilhete de passagem gratuita, tanto para sua locomoção dentro da cidade de São Paulo, como inter-municipal e, pasmem, inter-estadual. Começou a viajar para outros lugares, começando por Curitiba para rever o irmão e conhecer seus sobrinhos...
Tirou muitas fotos, que mostrou com um misto de satisfação e orgulho... Emprestou até um DVD onde está a sua viagem de trem a Paranaguá, com a família do irmão.

Depois pegou “o vício” e começou a viajar por aí, indo para Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Vitória... Como não tem dinheiro para pagar algum lugar para pernoitar, viaja à noite, enquanto dorme; passa o dia conhecendo o local e volta à noite para São Paulo. Foi assim que acabou conhecendo o Rio de Janeiro, pois não tinha passagem gratuita na noite seguinte para regressar de Belo Horizonte à “terra da garoa”. Acabou conseguindo uma passagem para o Rio de Janeiro, e embarcou!

Sempre que volta de suas viagens vem me trazer as fotos para eu “conhecer o local”. Como a máquina de fotografia é emprestada do irmão, dei uma câmara fotográfica que eu tinha “no fundo do baú”. Ele demonstrou muita alegria e disse que agora está para ir à Blumenau e que me trará umas fotos tiradas com sua nova máquina... Pedi para tirar uma foto dele lá.

Não é uma vitória??? Aliás, muitas vitórias, algumas até inimagináveis!!! Deixou de beber, de fumar, foi curado, restaurou o relacionamento com o irmão há muito perdido, tem seu sustento garantido, está conhecendo o Brasil, está com a cabeça mudada, com uma qualidade de vida muito melhor, com uma melhor auto-estima, com saúde e com um conhecimento pessoal de Deus e Seu poder que transpira por todos os poros!!! Vive sorrindo, alegre! Tem muitos planos de viagens...

Ele acaba sendo um “troféu ambulante” de como as pessoas, com alguma ajuda, podem ser transformadas...
Com o tempo espero que possa restaurar o relacionamento familiar com seus filhos... Aí, sim, vai ser a vitória total !!!

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Felina

Carmen Sílvia Musa Lício

Um dia, ao voltar de um plantão "daqueles" no hospital, encontrei meus filhos, com 9 e 6 anos na época, "cheios de mistérios"... Perguntaram para mim: -"Mãe, se um cachorro, ou gato, quebra uma patinha...o que se faz com ele?". Eu respondi que nós pegamos um palito de sorvete, colocamos ao lado da patinha e envolvemos com uma atadura por mais ou menos uns 15 dias, até sarar.

Nesta época, eu estava trabalhando em três empregos, tentando sobreviver, para poder construir uma casa para morar com meus filhos. Minha mãe, como sempre, me ajudou, cuidando deles enquanto eu trabalhava e tentava lhes dar atenção, entre um serviço e outro...

No dia seguinte, quando voltei do plantão, eles me perguntaram: -"E... se este cachorro, ou gato, tirar a atadura; o que se faz com ele?". Achei estranho, mas respondi: -" A gente pega outro palito e enfaixa novamente com mais força, com cuidado para não apertar demais e coloca um esparadrapo para ele não conseguir tirar...". O assunto se encerrou por aí e conversamos sobre outras coisas...

No outro dia, de novo a mesma pergunta... Então perguntei: -"Afinal, onde está este gato ou cachorro?". Um olhou para o outro e me levaram até o porão da casa da minha mãe, onde estava um gatinho, de aproximadamente 4 meses, deitado numa caixa de papelão forrada, com uma das patinhas enfaixada.

Era um gato "sem raça definida", como dizem os veterinários; para mim, "a esclarecer". Branco, com manchas cinzas tigradas de cinza claro e cinza escuro; parecia pintado à mão, com pelagem curta. Seus olhos pareciam de Cleópatra, como se tivesse passado um delineador e puxado o traço para os lados, tornando-os muito bonitos. Uma gracinha! E me olhava com um olhar do "tipo pidão" (será que nos "anais da literatura animal" tem este tipo de olhar catalogado?). Prestei meus cuidados "enfermeirais" e conversei com meus filhos, pois minha mãe sempre detestou animais em casa. Fizemos um trato: o gato só ficaria ali até ficar curado.

Todos os dias, antes de sair para trabalhar no posto de saúde, dava pão molhado no leite para o gato comer e, à noite, antes de sair para o plantão no hospital, fritava uns "nuggets" de frango e oferecia ao gato, que a esta altura dos acontecimentos fora batizado pelos meus filhos de Félix. Eles estavam muito felizes!

Após a recuperação "do cidadão", meus filhos insistiram em ficar com o gato, que já estava "enturmado". Ele ficava no quintal, no máximo no porão, e gostava de "dorminhocar" em cima da laje do banheiro da lavanderia, ao lado da caixa de água. Conversei com minha mãe sobre o fato das crianças estarem dando muito trabalho e que talvez um gato os tornasse mais entretidos no quintal, dando um pouco mais de folga para ela, pois eu mal parava em casa. Ela relutou um pouco, mas acabou concordando, afinal, "vó é vó", e disse que só aceitaria desde que ele ficasse somente no quintal, fora de casa.

Acordos firmados, paciente curado, crianças felizes, o gato foi crescendo. Lá pelas tantas descobriu-se que o gato não era um gato e sim uma gata!!! Perguntei às crianças qual seria o seu novo nome e eles resolveram, na hora, que o feminino de Félix é Felina, e assim ficou.

Felina era a rainha do quintal. Não parava um minuto, se é que se pode falar isto de um gato que, como se sabe, dorme em média 20 horas por dia! Era muito dócil e amava meus filhos. Eles faziam o que queriam com ela; nunca reclamava! Subia numa árvore (Pata de Vaca) e lá ficava; até dormia lá em cima, às vezes. O Rúben também subia e ficavam brincando "no poleiro" por "horas a fio". Via nela gratidão por todos os cuidados que lhe demos e pela acolhida em nossa casa.

Numa noite, após alguns meses, ouvi um "grito animal" no quintal. Não era aquele "mia-mia" de namoro felino. No dia seguinte contei o ocorrido ao meu irmão,Paulo Alencar, que nos visitava, vindo de Janauba; ele é engenheiro agrônomo e morreu de rir ao ouvir que eu achava que a nossa gatinha fora "inaugurada de uma forma não muito amigável". Me disse que, para uma gata que fora estuprada na noite anterior, ela estava com um aspecto muito feliz! E rimos muito...

O tempo passou e me pareceu que o seu ventre estava crescendo... Fiquei preocupada, pois sou enfermeira obstetra, de gente, não de animal! Esperei o inevitável, e esperei, esperei, por 3 longos meses. Conversei com alguns amigos e ninguém conseguiu me informar quanto tempo dura a gestação de gatas. Lembrei-me que a gestação de uma elefoa (ou aliá, como queiram) dura em torno de 20 meses... Fiquei preocupada mas vivia de lá para cá durante toda a semana e, aos finais de semana fazia plantão de 12 ou 24 horas numa maternidade, na zona sul. Andava de ônibus por aproximadamente 5 horas por dia. Pela manhã acompanhava estagiários de Enfermagem Obstétrica em Sala de Parto, zona sul (de segunda à quinta); à tarde era auxiliar de chefia em um posto de saúde (ou será de doença?) na zona oeste, repondo horário às sextas-feiras, durante todo o dia. Lembre-se que em São Paulo tudo é longe, ainda mais de ônibus! Vivia "sonada". Dormia muito pouco e ainda "gerenciava" a construção da minha casa. E dava atenção para as crianças, e tudo o mais que parecia ser necessário resolver.

"De repente", meus filhos me contaram que a gata havia passado o dia todo com dores. Perguntei a freqüência das contrações e minha mãe, que já "estava de parteira", disse que eram fracas e "de hora em hora". Achei que ela devia estar entrando em trabalho de parto. Disse que era melhor dormir (só pensava em dormir!) e que provavelmente ela iria parir até a manhã seguinte. Confesso que pedi a Deus para que nascesse durante a madrugada, no porão, ou no dia seguinte, pois não sabia, e não sei, fazer parto de gatas!!!

No dia seguinte, antes de sair, pela madrugada (sim, pela madrugada, pois acordava às 4:30h!), fui ao porão, fiz um carinho na Felina, vi que estava bem e fui trabalhar. Fiquei o dia todo torcendo para que, quando chegasse em casa, já encontrasse os "pequeninos mamando nas tetas maternas". Na dúvida, levei umas luvas descartáveis para casa, para o caso de ter que fazer um exame de toque na gata e avaliar a evolução do trabalho de parto da "dita cuja".

Meu Deus!!! Só de pensar num parto complicado ficava apavorada. O que iria fazer? Pensava na necessidade de colocar um soro, sei lá!!! E como faria um toque numa gata? Será que se examinava assim? Será que era com o dedo mindinho? Muitas, muitas dúvidas...dúvidas teóricas e práticas!

Quando cheguei em casa, à noite, fui informada que a Felina teve contrações durante todo o dia, andando pelo quintal, miando sem parar. Achei que o parto fatídico ocorreria pela madrugada, e fomos dormir. Mais uma vez, torci para que o "evento" se concretizasse de madrugada, de preferência sem a minha presença...

No dia seguinte eu tinha uma reunião "obrigatória" pela manhã na faculdade, outra reunião "inadiável" à tarde na Prefeitura. Só isto! Não preciso falar que faltei às duas!!! Ao acordar fui dar uma espiada na gata e ela estava esbaforida, com as contrações irregulares, começando a "tremelicar". Se fosse gente, eu pensaria numa infecção generalizada (septicemia), mas como era animal, meus neurônios, recém acordados, ficaram sem saber o que pensar... Meu filho mais velho ficou apavorado e pediu-me para socorrê-la.

Nesta época eu estava sem carro, pois havia dado o meu como entrada no terreno. Lembrei-me de um veterinário que tinha uma clínica próxima, mas como estava sem um mísero real (ou será cruzado? ou cruzeiro? não me lembro mais qual a moeda usada "nos idos" de 1995...), resolvi ir conversar com ele antes. Contei a situação da gatinha e ele riu muito. Riu da situação e das minhas "dúvidas obstétricas animais"! Disse que não deveria ser gravidez por que a gravidez "gatosa" dura 2 meses!!! Pediu-me para buscá-la para "dar uma olhada".

Resultado "da olhada": uma cirurgia de emergência para retirada dos fetos. Pedi para aproveitar e laquear, ou melhor, castrar, e foram retirados três gatinhos lá de dentro. Um já estava em decomposição, outro estava morto e o outro morreu (ou faleceu?) logo após sair do ventre. Como boa enfermeira, dei os primeiros cuidados ao recém-nascido-felino, com direito a aspiração das narinas e tudo, até massagem cardíaca com o dedo polegar!!!. Fazia tudo enquanto o Rúben assistia, preocupado. Eu, de minha parte pensava, com um pouco de remorso, que era melhor que o "recém-nascido-gato" não "vingasse" pois, como iria cuidar de um recém-nascido e de sua mãe no pós parto, trabalhar em três empregos, cuidar dos meus filhos, acalmar minha mãe, amenizar as brigas por ciúme entre minha irmã e meus filhos, gerenciar a construção da nossa casa, e tudo o mais que se fizesse necessário??? Pois é, o gatinho, coitado, morreu...

Paguei com "cheque pré" para o meu 13º salário e estávamos em Outubro! Imaginem, uma laqueadura em "humanas" no Centro Cirúrgico do hospital em que eu fazia plantões ficava mais barato do que a cirurgia daquela gata, realizada na cozinha adaptada de uma casa comum, sem a assepsia de um Centro Cirúrgico!

Levamos a Felina para casa ainda semi-consciente, com instruções de deixá-la dentro de casa até a retirada dos pontos... Minha mãe me olhou com um olhar misto de compaixão, pelo estado da gata, e de resignação. Ela ficou na cozinha, "super" bem cuidada. Para encerrar, Felina foi vítima de uma "baita" infecção, tomou um antibiótico "pra lá de caro"... Todos os dias eu fazia curativo e espremia o local, de onde saiam "baldes" de pus, e lavava dentro da cavidade com seringa e antibiótico. Ela aceitava tudo sem reclamar, apesar da dor, parecendo entender que estávamos cuidando dela.

Esta gata se tornou muito amiga; nunca arranhou meus filhos, mesmo quando o caçula, Lucas, a enterrou em pé na areia do quintal da casa do vizinho, só deixando a sua cabeça para fora, num dia de um frio cruel!!! Quando reclamei, respondeu-me, surpreso, que deixou a cabeça para fora para ela poder respirar. Ele estava com 7 anos...

Quando finalmente mudamos para a nossa casa, após 2 anos, ela ficou na casa da minha mãe por uma semana, para fazermos a mudança e arrumarmos um local adequado para ela ficar (disseram que gatos não gostam de mudanças). Depois a levamos de carro, dentro de uma caixa de papelão para não facilitar a sua fuga e para que ela "não soubesse o caminho de volta". Ficamos com ela presa dentro de casa por uma semana e, aos poucos, conforme ia se adaptando, fomos "ampliando os seus horizontes".

Logo que mudamos, aconteceu um episódio engraçado. Havia um terreno baldio em frente à nossa casa, onde havia muitos ratos. Um dia ela saiu, e após um tempo voltou com um camundongo preso na boca. Estava morto e acho que ela trouxe para nos mostrar o seu grande feito! Passados uns minutos, mais um, e mais um, e mais um até completar 14 ratos! Alguns vinham ainda vivos e ela gostava de jogá-los com as patas dianteiras para cima por várias vezes, até morrerem. Parecia um jogo. A cada rato trazido, eu desinfetava o chão da cozinha com cândida, como toda boa enfermeira! Isto se repetiu até eu perder a paciência, dar uma bronca e falar que não precisava trazer seus "troféus" para casa. Nunca mais ela os trouxe. Mas quando entrava algum rato em casa, ela o caçava até aprisioná-lo num canto e começar a "sessão tortura". Jogava o intruso para o alto várias vezes até ele morrer, depois o abandonava para limparmos... Um certo dia ela correu atrás de um passarinho, conseguindo pegá-lo. Quando ia começar o ritual de tortura, o Lucas, o caçula, viu e deu uma bronca "daquelas". Creio que ele exagerou, pois nunca mais a Felina correu atrás nem de ratos nem de pássaros. Só olhava para a gente, meio "apalermada". Acabara-se a sua temporada de caça!

Em outra ocasião a "danadinha" sumiu por três dias. Confesso que orei muito por ela. Quando apareceu estava suja, muito suja, e com uma fome incrível! Deu-nos a impressão de ter ficado presa em algum porão, ou algo assim. Ficamos numa alegria só, e demos o único banho da sua vida!!!

Um dia ela subiu no telhado da edícula e não conseguiu sair de lá sozinha. Tivemos que fazer uma "operação resgate", com escada e tudo! Acionei os pedreiros que estavam em casa; foi muito complicado e demorado. Finalmente, meu filho Rúben, então com 12 anos, colocou uma escada do telhado da nossa casa para o telhado da edícula, e a trouxe em segurança. Imaginem a minha preocupação com os dois!

Às vezes, de repente, Felina começava a correr pela casa atrás "de nada", até cansar. Eu achava que era uma forma de descarregar a sua energia, pois normalmente era muito sossegada. Quando "desembestava" a correr, dizíamos que estava praticando a "xispada pelada". Gostava também, como prova de carinho, lamber o cabelo do Lucas quando estávamos deitados, assistindo televisão. Parecia que estava satisfazendo seu instinto maternal animal, que foi interrompido...

Ela era minha aliada na educação das "crianças"!!! Quando meus filhos, já adolescentes, ficavam de madrugada no computador, ou assistindo a algum filme, ela me chamava, até eu perceber o que estava acontecendo de "anormal". Ela queria dormir e eles atrapalhavam o seu sono. Com o tempo, meus filhos perceberam que ela os entregava; eu jamais contaria.

No final da sua vidinha ela ficava mais em casa, só saindo para fazer as suas necessidades fisiológicas, e quando voltava, pedia para abrirmos a porta. Já estava com dificuldades para pular a janela da sala, que ficava sempre meio aberta para garantir o seu "direito de ir e vir". Gostava de ficar comigo na cama, deitada ao meu lado, enrodilhada, perto do meu ventre, se esquentando e me fazendo companhia. Amava assistir televisão comigo e, se eu fosse preparar alguma aula, sentava-se bem em cima dos livros! Queria atenção "a todo custo". Gostava também de deitar-se no meu colo, enquanto eu fazia tricô ou crochê. Não mexia nas lãs, pois sabia que eu não gostava... No inverno, de vez em quando, me acordava com dificuldade de respirar, parecendo estar com bronquite; então eu a colocava bem próxima a mim, agasalhando-a, até melhorar...

Ela já devia estar esclerosando, pois mal entrava, pedia para sair e mal saia, pedia para entrar. Rúben dizia que ela estava sofrendo de velhice crônica, e muitas vezes não dava para saber o que queria. Ficava miando e andando pela casa, sem conseguirmos adivinhar o que queria. Meus filhos me perguntavam se era assim mesmo. Eu dizia que devia ser e que devíamos proporcionar-lhe uma velhice tranqüila; afinal, ela fazia parte da família!

Conviveu conosco por 12 anos e me lembro dela com carinho, das noites em que me acordava para receber um pouco de atenção ou pedindo ração "nova", afinal aquela já estava "velha" (eu sempre colocava um pouco antes de dormir); quando ficava me esperando no portão de casa e entrava junto comigo até dentro de casa (isto acontecia porque, muitas vezes as minhas cadelas que ficam no quintal, por ciúmes, não a deixavam entrar sozinha).

Uma noite, ao chegar em casa, não veio me encontrar. Não me importei muito, pois ultimamente ela ficava me esperando na minha cama, em cima do travesseiro, sobre a colcha, e me olhava com cara de "olha eu aqui". Mas ela não estava na cama, nem no quarto, nem em lugar algum da casa. Fiquei preocupada e, antes de dormir me certifiquei que ninguém havia fechado a "janela dela", mas ela não apareceu.

Todos os dias eu trocava sua água e ração, na esperança dela voltar. Ao chegar do serviço, a primeira coisa que perguntava era: -"E a Felina?". E meus filhos: -"Nada, ainda"...

Após uma semana pedi a Deus que eu queria pelo menos saber se ela estava ou não morta, para não mais me preocupar em saber como ela estaria ou não. Queria ter certeza.

Ao chegar em casa, minha empregada falou que tinha uma notícia "não muito boa" para me dar, e seus olhos marejaram... Levou-me até o muro do fundo do quintal e me mostrou a Felina, já "seca" parecendo estar empalhada. Ela deve ter ingerido algum veneno e morreu tentando voltar para casa; talvez na esperança de cuidarmos dela novamente, e a curarmos...

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Até Quando?!?!?!

Carmen Sílvia Musa Lício

Até quando as pessoas tentarão “se fazer” às custas dos outros? Até quando tentaremos dar o famoso “jeitinho brasileiro” para nos “darmos bem na vida”? Até quando isto, e até quando aquilo?

Há muitos anos, quando na política brasileira estava difícil pensar em quem votar para presidente, e, pela primeira vez anulei o voto pois não conseguia imaginar nenhum dos candidatos à presidência no referido posto, minha mãe falou que o Brasil não estava passando por crise de candidatos mas por uma crise muito maior e mais séria, uma crise moral. É triste constatar isto, mas ela estava, e está, certa.

Vejo com tristeza como muitos jovens estão “sem valores”, sem referência, sem rumo. Também, com os jornais diários mostrando tanta falcatrua, sem alguma medida efetiva tanto no sentido de coibir, como também no sentido de punir os culpados...

Sempre fui apartidária, voto em quem me inspira confiança, pela sua maneira de se expressar, pelo seu programa de governo, pela sua vida pública... mas ultimamente está difícil saber em quem votar, em quem acreditar; estamos numa época de muitas incertezas. É um tal de “votem em mim”, “votem em mim”, mas na hora de agir, são “todos iguais”, legislando em causa própria, procurando lesar o povo em benefício próprio, sem nenhum pudor!!!

A nossa tendência é educarmos os nossos filhos da forma que fomos educados. A nossa sociedade está em constante mudança e os valores estão “descartáveis”. “Burro” é quem não aproveita as chances, independente delas serem legítimas ou não, éticas ou não. Fica muito difícil passar valores que muitas vezes são considerados obsoletos, retrógrados (até a palavra é “archaica”).

Tenho dois filhos: um de 22 anos e outro de 20 anos. O mais velho, quando com seis anos, ganhou uma bola de futebol de couro linda de Natal e foi jogar com os amigos no condomínio onde morávamos. Estava muito feliz pois era o seu “sonho de consumo infantil”. Passada meia hora, ele voltou para casa chorando, dizendo que um menino a havia pego dele e levado para casa. Perguntei aos seus amiguinhos e eles confirmaram a história. Me armei de coragem, pois não gosto de fazer o papel da “mãe leoa” ( sou mais do “tipo apaziguadora”) mas ficou claro que tinha de tomar uma decisão, e tomei. Fui falar com a mãe do “dito cujo”. Quando contei o ocorrido ela disse que ele não entrou com bola alguma em casa apesar de umas 8 crianças indignadas “jurarem” que sim. Ela não voltou atrás. Disse que o filho era orientado a “resolver os seus problemas na rua”, não os trazendo para casa. Fiquei espantada! Como uma criança de 6 anos pode “se virar” na rua? Respondi que se o meu filho trouxesse algo que não fosse dele para casa eu iria querer saber de quem era, pois se hoje pega algo de outra pessoa e nada acontece, mais tarde vai ficando “mais normal”, até poder virar um ladrão. Para finalizar, disse-lhe que a diferença entre nós é que ela estava tentando criar o seu filho, enquanto eu estava tentando educar os meus.

Aí está toda a diferença!

Se quisermos que o nosso País seja um País de futuro, temos que cuidar do presente, da educação das nossas crianças e jovens, tanto no sentido ético, moral e espiritual. Se abrirmos mão de fazê-lo, haverá sempre quem o faça. Não poderemos, então, estranhar que os nossos filhos tomem atitudes nunca imaginadas, ou tenham idéias completamente fora dos “nossos padrões”.

Poderá ser muito tarde, e só poderemos nos lamentar pelas conseqüências da nossa omissão.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Homens x Mulheres

Carmen Sílvia Musa Lício

Bom, creio que você já deve ter lido a minha crônica sobre o “relacionamento a dois”... Então, vamos escrever um pouco sobre o outro lado da questão.

Quando “adolescemos” já pensamos em “garfar” aquele (ou aquela) maravilha que nos tirará da “mesmice” das nossas existências. E vamos à luta, cada qual a seu modo. Umas “desfilam” na frente dos “candidatos”, outras, mais tímidas, ficam de longe olhando e sonhando com tal “preciosidade”. Os rapazes, por sua vez, chamam a atenção de todas as formas imagináveis, às vezes até parecendo ridículos, com suas vozes esganiçadas... Mas...Tudo é belo!

Nesta fase, quando saímos com o “gentil cavalheiro”, ele nos abre a porta do restaurante, espera "adentrarmos o recinto" (bonito, não?), puxa a cadeira para sentarmos, abre a porta do carro, enfim, um perfeito “gentleman”...

Ela por sua vez, vai “vestida para matar”, coloca “aquele perfume” (dá para sentir a metros de distância), não se atrasa (muito importante no 1º encontro!) e “coloca” o seu melhor sorriso; encantador... Tudo “super” romântico.

Após idas e vindas, finalmente começa a namorar com o tal “príncipe encantado”. Tanta novidade: conhecer, saber dos seus gostos, das suas preferências, de tudo o que puder saber. Parece até que estão fazendo um curso intensivo a respeito...não cansam de se conhecerem, tanto física, emocionalmente, em todos os aspectos... Ah! O amor é lindo!!!

Então, resolvem “ficar noivos” (será que ainda se usa isto?). Começam a fazer planos para o futuro, como será a vida a dois, como será a casa, quantos filhos pensam ter, uma infinidade de coisas a serem compartilhadas, discutidas e acordadas.

E os móveis? Aí começam as diferenças: ele gosta de uma decoração despojada, estilo “clean”; ela gosta de móveis rústicos, do tipo “mineiro”... Ela quer um casamento suntuoso (afinal, “só se casa uma vez”), ele quer casar só no cartório (muito mais prático e econômico)... Mas os dois se amam “de paixão” e tudo, tudo será superado após o casamento, com certeza.

Tudo resolvido, entre “mortos e feridos” salvam-se os dois, caminhando felizes para o altar! A cerimônia de casamento é um sonho!!! Com clarinetas, violinos, daminhas de honra, padrinhos, muitos padrinhos, como convém em tal situação...

Após a recepção, os dois saem para a lua de mel... Idílico!!! Viajam de avião para algum lugar paradisíaco, mais parecendo com a ilha da fantasia, e ficam lá por uma semana, regada a vinho, e a tudo que têm direito. Tiram dezenas de fotos, voltam morenos e felizes...

O tempo vai passando, e um belo dia, ao acordar, o mancebo olha para o lado e...o que vê? Onde está aquela princesa com quem se casou? Quem é aquela estranha ao seu lado, mais parecendo “salva do incêndio”? Toda amarfanhada, com a maquiagem borrada, os cabelos arrepiados, a camisola deu lugar a uma “camiseta velha com alguns furinhos” (tão gostosa!), uma verdadeira “gata borralheira após a meia-noite”.

Você está rindo? E a mocinha, logo ao se levantar, vê o amado tirando a remela do olho, só de cueca, “mijando” sem levantar o assento da privada, sem conseguir “mirar” direito. Realmente enternecedor...

Ficam pensando: “Onde foi que eu errei?”, “Será que cai numa armadilha?”, “Será que fui vítima de propaganda enganosa?”, quantos pensamentos lhes vêm à mente... E isto é só o começo, tem mais...

Na época do namoro, um coloca um bocado de comida na boca do outro, verdadeiro gesto de amor! Após algum tempo, dependendo do casal, quando um pede para o outro pegar um copo de água, o outro só falta responder: “Que tem? É aleijado?”... Romântico, não?

É verdade que aquele cuidado excessivo de antes do casamento tende a desaparecer, mas não precisamos ser tão “nus e crus”... Isto acaba com qualquer romance...

Será que estou sendo cruel demais? Não creio, pois tenho certeza de que você, é , você mesmo, deve estar se lembrando de muitas facetas desta triste realidade que eu deixei de contar...

Passado mais um tempo (nada melhor do que o tempo para diminuir qualquer ilusão), o maridão chega em casa, cansado do serviço. A mulher está com cara de quem saiu de uma guerra, com as crianças pulando pelo sofá, a sala um “campo minado”, e tudo o que ele desejava era descansar um pouco, tomar uma ducha, comer e dormir assistindo o telejornal preferido, pois no dia seguinte terá que madrugar novamente...

Já a esposa só pensa se conseguirá passar por mais este dia inteira, dando conta de tudo, deixando as coisas mais ou menos adiantadas para a manhã seguinte, na tentativa de diminuir o atropelo diário matinal...
O dia a dia acaba desestimulando qualquer tipo de romance; se não prestarmos atenção, estaremos fadados à mesma "aporrinhação" por todos os dias da nossa convivência... Isto, no mínimo, é desanimador!!!

O mais difícil não é garfar aquele ou aquela maravilha... O mais difícil é conservar o amor que os uniu, aprofundando-o na convivência diária, enriquecendo-o sempre, tornando-o uma aventura a dois...

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Máquina de Fazer Doido

Carmen Sílvia Musa Lício

As pessoas andam muito estressadas. Correm de um lado para o outro tentando “abraçar o mundo”. Precisam de tanta coisa para serem felizes: de um carro novo, de uma mulher “de dar inveja”, de filhos lindos, de um emprego maravilhoso, de uma casa “pra lá de chique”, uma casa na praia, outra no sítio, blá, blá, blá, blá, blá, blá...

E, com o tempo, se tornam escravas “das coisas”, do bendito padrão. Só que a sociedade está cada vez mais consumista, cada vez mais superficial. Apesar da esperança de vida estar cada vez maior, estamos vivendo a vida cada vez mais superficialmente, nos importando mais com os “entretantos” do que com os “finalmentes”.

Será que realmente necessitamos de tanta coisa para sermos felizes? Não sou adepta de nenhuma filosofia do tipo “amor e uma cabana” mas não precisamos de um palácio!

Bom, quando coloquei o título pensei no funcionalismo público, então, vamos parar de tanto “rebosteio”.

Realmente, o funcionário público está numa situação bastante difícil. Desacreditado, sentindo-se completamente desmotivado, sem aumento há mais de 12 anos, com os filhos crescendo e com novas necessidades, com cursos a fazer para melhorar seu futuro... E os pais, pobres funcionários públicos, sendo “achacados “ pelos usuários, pelas dívidas, pela falta de perspectiva... sendo cada vez mais cobrados e sem conseguir ver “uma luz no fim do túnel”.

Então, os governantes, querendo nos desacreditar perante a população, deixam a Saúde Pública sem melhoria alguma, em nenhum aspecto, nem salarial, nem em quantidade, nem em qualidade; com toda a população a ser atendida aumentando, aumentando... Daí a população fica completamente desgostosa, revoltada, tornando o clima gerado propício à implantação de um novo modelo de assistência à saúde, a “salvação da lavoura”, que na verdade acaba sendo uma terceirização do serviço de saúde, dever do estado.

Todo o dinheiro que deveria ser empregado nos serviços já existentes com a melhoria dos salários, adequações dos espaços físicos, do número de médicos e demais funcionários, enfim, das condições básicas de atendimento, é investido na nova proposta de atendimento, alardeada como “a redenção da saúde pública”. Dá para entender o funcionário recebendo uma miséria enquanto o terceirizado recebe mais que o dobro, realizando o mesmo serviço? Por mais que eu possa pensar não consigo ver qualquer lógica em tamanho “despautério”!!!

Por que não investir no servidor já concursado, motivando-o, criando cursos de reciclagem, revendo o plano de cargos e carreiras, tão ensaiado, e que não sai do papel? Que tal rever as perdas salariais, pagar as ações ganhas há tanto tempo, pagando com os precatórios?

A mídia procura colocar o funcionário público como preguiçoso, inadequado às suas funções, mal preparado e ganhando muito, além do que merece. Vemos exemplos de pessoas que têm o hollerith avantajado... mas se esquecem de dizer que a grande maioria ganha muito abaixo do mercado, e que quando aposentamos não recebemos fundo algum de garantia. A única garantia que ainda temos, a estabilidade, já estão querendo nos tirar, fora muitas verbas, que não são incorporadas ao salário.

Sabe daquele ditado: “de grão em grão a galinha enche o papo”?. Pois é, não estou nos comparando a “galináceas”, longe disto, mas quando acabarmos a carreira, os grãos poderão nos “escorrer” do bico, ou melhor, da boca, e corremos o risco de ficarmos, no final da vida, a “mendigarmos o pão” ou dependermos dos filhos para nos ajudarem no nosso sustento.

Por que o título? É por que tenho visto muitos profissionais competentes se desestabilizarem, tanto física quanto emocionalmente, parecendo que estamos no banco da “Praça da Alegria” vendo as pessoas mais desatinadas passarem. Também!!! Estamos sendo pressionados de todos os lados; de um lado, a população cada vez mais exigente e consciente dos seus direitos; do outro, as chefias imediatas, mediatas, não tão mediatas, longínquas, remotas e sei lá mais o que, exigindo que demos conta de um público cada vez maior e, diga-se de passagem, mais ríspido. Isto para falarmos do local de serviço. Além disto, temos a família, sobrevivendo cada vez com menos condições financeiras, emocionais, “etcetera e tal”...
Por enquanto, estamos sobrevivendo a “duras penas”, sem qualquer qualidade de vida!!! E quem se importa com isto???

A maioria dos funcionários do local onde trabalho está “endividado”, “rolando” empréstimos, tentando, literalmente, sobreviver emocionalmente a tanto “stress” no serviço e em casa. Muitos estão com 3, 4 e até 5 empréstimos para poder dar conta da sua “vidinha”. Muitos que antes moravam de aluguel estão morando em favelas ou casas “semi-faveladas” devido à crescente perda do poder aquisitivo (aliás, poder de sobrevivência, pois já perderam a esperança “de tanta aquisição”).

Estamos assistindo a uma população cada vez mais “populosa” procurando um serviço de saúde cada vez mais defasado e obsoleto, os governantes só querendo fazer a sua plataforma de governo para se estabilizarem no poder, e os funcionários cada vez mais “no limite”, inclusive pedindo mais licenças médicas por “stress”, problemas emocionais e doenças mentais...

Estou enfatizando demais? Talvez...

Na verdade, este é, além de um desabafo, um grito de alerta!!! E será que alguém se importa???

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

É Hora de Acordar!

Carmen Sílvia Musa Lício

Quantas vezes lutamos, brigamos, almejamos e batalhamos para conseguirmos algo que julgamos ser indispensável, “super importante”... E quando alcançamos, vemos que não era “tudo aquilo” que imaginávamos, que a propaganda era maior do que o conteúdo e sentimos que corremos “atrás do vento”, ou “atrás de nada”.

Quando vejo pessoas que se sentem tão importantes devido ao seu “status”, à sua posição social, ao poder que têm, ou aos bens materiais que possuem, fico pensando na brevidade das nossas vidas, no que deixaremos de legado para a posteridade (é muita pretensão?), ou pelo menos no que deixaremos de valores para os nossos filhos.

Não pensem que sou contra o “querer ter bens materiais”. Acho que o conforto, as possibilidades que o “vil metal” nos trazem são muito bem-vindos, desde que granjeados com dignidade, com ética, sem lesarmos nossos “iguais”. Creio ser importante termos ambição, desde que ela não seja desmedida. Ambição é um sentimento que nos leva a progredirmos, a fazermos planos, a nos organizarmos... é um sentimento saudável. Agora, quando passa dos limites e nos coloca uma “viseira” e não conseguimos mais enxergar os outros, nem os métodos empregados (os fins não justificam os meios!), aí se transforma em ganância, sede de poder, ou sei lá mais o que... Torna-se destrutivo...

Quantas vezes corremos atrás de um padrão para nós e nossos filhos e nos esquecemos de dar a eles o presente mais caro e precioso que eles necessitam: a nossa companhia, a nossa atenção, o nosso “ouvir”. Até assistindo a “famigerada” televisão podemos, desde cedo, ensiná-los a serem espectadores críticos, que podem assistir, conforme a idade, é claro, e não concordar com tudo o que vêm. Esta visão crítica do mundo e dos acontecimentos só se consegue com o tempo, comentando as notícias, as novelas, filmes, livros e os acontecimentos corriqueiros do dia a dia, e, para isto, temos que escutá-los desde crianças, mesmo as histórias “mais banais”.

A sociedade moderna tenta nos impingir um padrão e uma super-valorização das coisas que nos leva a correr delas e, neste afã, acabamos perdendo momentos muito importantes, como as risadas com os nossos filhos, suas angústias, suas alegrias, seus medos... Acabamos nos acostumando a não fazer parte do seu mundo e quando nos sentimos excluídos, ficamos espantados... Ou quando vemos as dificuldades nas quais se meteram, nos perguntamos:
-“Onde foi que eu errei?”.
Erramos em não compartilharmos as suas alegrias e tristezas, em não “jogarmos conversa fora” com eles, em não acompanhá-los nos seus momentos importantes, em não demonstrarmos amor e interesse por suas vidas, em não tentarmos conhecer os seus amigos, em não impormos limites; em procurarmos parecer tão perfeitos aos seus olhos que eles ficam sem graça, ou com medo, de nos falar sobre seus erros, suas dúvidas, seus tropeços, seus anseios...

Aí, quando nos damos conta, perdemos nossos filhos para o mundo, sem termos para quem reclamar...

É verdade, criamos nossos filhos para o mundo, sei disso, mas poderíamos prepará-los melhor para enfrentar a vida sem se corromperem, sem perderem de vista os valores aprendidos, sem se importarem tanto com “o que o grupo vai achar”, sem se perderem pela vida.

Fala-se muito em Educação, como se a educação fosse aprendida só na escola. A educação começa em casa e a família que deixa de fazer a sua parte na formação dos seus filhos corre o sério risco de se surpreender, no mal sentido, com os resultados. Quando abdicamos do nosso dever de orientarmos a nossa prole, damos espaço para que outros o façam em nosso lugar e a colheita pode não ser tão benéfica, ou não tão feliz...

Temos que reavaliar as nossas prioridades, colocarmos metas para o desenvolvimento dos nossos filhos, dedicarmos tempo à nossa família, desenvolvermos atividades com nossos filhos. E sempre, sempre, nos relacionarmos com as demais pessoas de uma forma respeitosa, para que nossos filhos aprendam conosco como se relacionar com os outros.

Por isso, eu repito, temos que acordar!!!