sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O Outro Lado da Moeda...

Carmen Sílvia Musa Lício

Já escrevi sobre a arte de envelhecer, sobre a experiência adquirida com o passar dos anos, etc e tal. Tudo o que escrevi sobre o assunto é o que eu penso...Mas, agora vou falar um pouco sobre o outro lado da moeda, não tão agradável, nem tão “dignificante”.

Bom, a gente vai envelhecendo, envelhecendo e, de repente, se olha no espelho e leva um susto! Quem é aquela do outro lado? No que me transformei? É um choque, e que choque!!! Você talvez ache um exagero, então vou contar a minha história. Quando casei tinha 30 anos. Estava naquela de “arrumar o ninho” e quis comprar um espelho “de corpo inteiro”. Na época estávamos bastante "enforcados", não só pelo casamento, mas também pela falta de dinheiro. Meu então marido achou que não estava na hora de tal façanha, afinal, além de não ser prioridade, considerava “supérfluo”. Resultou daí que ficamos 8 anos casados e nunca chegou a vez do “tal espelho”.

Um dia, estava eu andando numa rua movimentada em Pinheiros, quando levei um susto: “aquilo ali era eu?”. Então percebi que realmente era a minha imagem refletida no espelho!!! Que “acordar para a realidade”!!! Foi cruel! Envelheci 10 anos em um minuto? Não, eu que não me via no espelho por quase uma década!!! Fiquei realmente chocada... Estava beirando os 40 anos e o espelho teimava em mostrar-me esta nova realidade.

Era o início do fim... Acabei comprando o malfadado espelho, que havia sido o “meu sonho de consumo” por tantos anos...mas agora era mais um pesadelo do que um sonho realizado. As marcas estavam lá, inexoráveis!!! Aqui uma ruga, ali um início de “bigode chinês” (eu que nunca fui muito chegada aos hábitos orientais e agora tenho que ficar logo com um “bigode chinês”?...).
E isto foi só o começo...Tem mais, muito mais...

Sempre achei que envelhecer é uma arte, que devemos envelhecer com dignidade, sabendo curtir cada fase da vida; e ainda acho. Mas não me contaram da tristeza ao ver a suas pernas sempre tão lisinhas, com inúúúúmeros furinhos, nada estéticos, diga-se de passagem. E aquelas veiazinhas que insistem em se instalar sem pedir licença e sem nenhuma cerimônia? E aquelas “pequenas avenidas”, mais conhecidas como estrias? É realmente cruel...É um triste despertar para a transitoriedade da vida, para a “efemeridade” da beleza!


Realmente, a beleza não é tudo, mais importante é a beleza interior, mas não acho que precisaríamos abrir mão de um certo “sentimento de bem estar conosco mesmas”. E a nossa auto-estima? Como mantê-la? Como recobrá-la?

Continuando... De repente aparecem umas manchinhas na pele, um pouco salientes, nas pernas e braços, pelo corpo todo: - “É assim mesmo...” diz alguma amiga, querendo diminuir o nosso dissabor. Surgem também umas manchinhas amarronzadas, outras brancas... Será que depois de certa idade vamos ficando multicoloridas? Estampadas? Quantas dúvidas, quantas incertezas...


E os cabelos brancos? Sempre achei que deveriam branquear sozinhos e deveríamos deixá-los assim, afinal, cada marca, cada cabelo branco conta a história de uma vida “bem vivida”.

Não é justo! O homem, quando grisalho, é considerado um charme, mas quando é a mulher que “embraranquece” é outra história: é velhice mesmo. Ainda tem mais, quando o homem atinge os 40 anos, é considerado um homem experiente; já a mulher, no mínimo, mais “vivida”, ou “mais rodada”, como queiram.

Bom, vamos voltar “à vaca fria”, ou melhor, ao “outro lado da moeda”.

Ao me olhar no espelho, certa vez, me veio um sentimento de revolta contra um certo Isaac Newton. Não que ele tenha culpa do meu estado geral atual, mas, com a descoberta da lei da gravidade, ele me tirou a esperança de uma possível “auto-melhora” estética . Realmente, é um caso muito, muito grave; da maior gravidade. E sem muitas esperanças, já que para passar por uma “recauchutagem dos 50” é necessário muito mais do que o valor para se comprar um carro novo! (Será que é por isto que os homens muitas vezes acabam trocando a “véia lá de casa” por uma versão mais atualizada?)

Li em algum lugar que o povo brasileiro dá uma importância exagerada à “casca”, à “embalagem”, e, no afã de ficarem de acordo com os padrões “exigidos” pela nossa sociedade, muitas mulheres têm se sujeitado a tratamentos e dietas impiedosas, que às vezes deixam seqüelas terríveis, quando não levam à morte. Nós estamos vivendo dias de total inversão de valores. Enquanto jovens somos consideradas “super”, mas, à medida que vamos perdendo o “prazo de validade” somos consideradas obsoletas ou até descartáveis...

É a barriga que resolve aparecer, a “bunda” que fica caída, a “síndrome do tchau” que surge, a cintura que resolve “encorpar”, que mais falta? Ah! Os peitos também resolvem cair, e os dentes amarelar... Após a menopausa, então, o estrago fica maior... O cabelo fica mais ralo, as unhas quebradiças, a vista cansada, as roupas apertadas, realmente, é de a-m-a-r-g-a-r!!!
E a pele? Fica flááácida, “sobrando” e “apergaminhada” (não seria nada de mais se gostássemos de mapas-mundi do tempo dos “grandes descobrimentos”).

Será que me esqueci de algum detalhe mórbido? Provavelmente sim...

Depois de todo este quadro deplorável, fica aqui registrada a minha revolta:
“Abaixo a Lei da Gravidade! Que subam as bundas, os peitos e tudo o mais!!!”

Tenho dito! Ou melhor, escrito!!!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Envelhecer é uma Arte

Carmen Sílvia Musa Lício

Quando somos crianças, olhamos os mais velhos com um misto de dó e compaixão. Aliás, nesta fase, pessoas de 20 a 30 anos são consideradas por nós, ainda crianças, muiiito velhas.

É interessante como tudo depende da perspectiva que vemos. Soube, há alguns anos, de uma senhora que, ao saber que o prefeito eleito da cidade de Ubatuba tinha 60 anos, disse:-“Rapaz de futuro...”. Pois é, a “dita cuja” tinha “prá mais de 90”!!!

Após alguns anos de vida, lá pelos 15, consideramos nossos pais, no mínimo, uns “babacas”, que pensam que sabem tudo, mas não sabem nada, nem nos educar, nem gerenciar o seu dinheiro, nada...
Pois é, o tempo continua passando e, lá pelos 25-30, já casados ou “arrumados” (ou algo do “gênero”), percebemos que os coroas “até que não eram tão ruins”, que “até tentavam fazer alguma coisa” diante da vida e conosco. Nesta época ainda estamos “em pleno vigor” e “a todo vapor”. Temos saúde, amigos, condições de subsistência, ânimo, planos, muitos planos para o futuro.
Aliás, a juventude é uma sucessão de feitos e acontecimentos; podemos tudo! Seremos felizes, escolheremos a melhor companhia para passarmos o “resto das nossas vidas”, teremos filhos educados, obedientes, seremos profissionais bem sucedidos, teremos uma casa “de verdade” num “local digno”, viajaremos por “todo o mundo”, e mais isso e mais aquilo...

Mas o tempo teima em passar, e, lá pelos 40, nos vemos ainda correndo atrás ou esperando as coisas acontecerem. E as coisas nem sempre acontecem. Os filhos, adolescentes, nos questionam da mesma forma (ou mais) que questionávamos os nossos pais. Então, numa noite, ao pensarmos sobre a vida, percebemos que fomos muitas vezes injustos, super críticos com nossos pais e que eles fizeram o que puderam com os recursos que tinham e percebemos que não somos tão poderosos assim, que as nossas limitações são maiores do que imaginávamos e, o que é pior, os filhos não vêm com manual de instrução e, o que é bom para um, pode ser péssimo para o outro.
Êta aprendizado doido! (ou será doído?).

Os valores estão mudando muito rapidamente e quase tudo fica obsoleto em pouco tempo, inclusive nós...
Inclusive nós?Não dá para conceber um ser humano ser descartável. Envelhecemos, ficamos com rugas, limitações físicas, doenças crônicas, síndrome do “tchau”, um montão de coisas mas..., e a sabedoria dos mais vividos?
As coisas não nos afetam mais com aquela força que mais parece um furacão. Já passamos por tantas coisas que sabemos que “tudo passa”... Não precisamos, e nem adianta, nos desesperarmos, sabemos que sempre há um dia atrás do outro e que uma hora as coisas vão melhorar ou conseguiremos, de alguma forma, vislumbrar uma luz no fim do túnel, uma solução ou uma forma de lidarmos com o problema de uma forma mais adequada e tranqüila...

Envelhecer é uma arte!

Continuando nossa jornada... Aos 50, vemos nossos filhos saindo para viver suas vidas e nós, mais uma vez, temos que nos adequar `a nossa nova realidade. Temos que traçar novos objetivos, novas maneiras de sobrevivermos emocionalmente e de nos relacionarmos conosco, com os filhos, pais e amigos... É uma fase de uma certa solidão, uma solidão introspectiva que nos leva a repensar nossas prioridades, nossos conceitos, nossa vida...

Nesta época, se não estamos sozinhos, temos que recriar nosso relacionamento com o companheiro, para não perdermos a motivação, não cairmos na “mesmice de um relacionamento corriqueiro e incolor”. Se estamos sós, temos que nos adaptar a uma solidão mais palpável. Isto não nos impede, é claro, de procurarmos um novo companheiro ou outros interesses!

Ainda nesta fase de vida, muitas vezes, temos nossos pais para cuidar, o que não deixa de ser uma dádiva de Deus, pois eles continuam nos ensinando e nos acolhendo, dando sempre o seu apoio e incentivo. Ainda apostam em nós!
Chegamos, então, à conclusão que eles, na verdade, conseguiram fazer milagre!!! Como é que conseguiam conciliar o trabalho, a família, os afazeres domésticos, o cuidado diário com os filhos, honrar todos os seus compromissos??? E ao olharmos seus cabelos já embranquecidos, nos perguntamos: -“Será que chegaremos lá? Com esta garra, esta força, esta sabedoria adquirida com o passar dos anos???”

Nossos pais se tornam heróis!!!

Há alguns anos atrás trabalhei em uma casa de repouso onde havia aproximadamente 20 idosos. Na primeira visita fiquei um bocado chocada, pois parecia que os velhinhos estavam “guardados”, esperando o último suspiro. Acaba nos chocando por ser um espelho “do tipo”: "eu sou você amanhã". Após algum tempo percebi quanta riqueza de vida, quantas histórias tão pessoais e ao mesmo tempo tão parecidas. É um verdadeiro prazer conviver com eles: tão frágeis e ao mesmo tempo tão fortes, tão simples e ao mesmo tempo tão profundos... Cada história de vida nos enriquece; cada história de vida é única, comovente, às vezes por sua leveza, às vezes por sua densidade. E eles nos esperam e nos recebem com tanta alegria e carinho; são momentos de calor humano nos dias serenos e sem novidade de suas existências...

Mas não pensem que eu tinha algo contra os “velhinhos” e que depois percebi o “quão sábios” são. Ao contrário!
Minha avó Esther ficou paraplégica após um derrame cerebral na época em que nasci (meus "amáveis" irmãos diziam que foi do susto que ela levou ao me ver!) e eu ajudava a cuidar dela nas férias e, desde que me entendo por gente, já achava que era difícil envelhecer. Ela era muito calma e sempre contava histórias antes de dormirmos. Gostava de ler um livro chamado “Pérolas Esparsas” onde havia histórias de pessoas alcoólatras, ou que eram espancadas pelo pai, ou alguma tragédia deste “tipo”, que, quando conheciam a Jesus, eram transformadas e a vida da família também. Depois pedia para eu ler algum trecho da Bíblia e, quando eu gaguejava ou não conseguia ler alguma palavra (a página estava até gasta de tanto ler acompanhando com o dedo), ela falava o trecho de cor (e então eu pensava: “por que ela me pede para ler se já sabe tudo de cor?”).
Depois era a hora de orar por cada um dos familiares (eram citados nominalmente e, pasmem, eram quase 30!!!). Naquele tempo eu achava uma coisa , no mínimo, enfadonha, mas contribuiu muito na minha formação pessoal. Ficou acamada por mais de 20 anos e nunca a ouvir se lamuriar ou reclamar da sua situação. Ao contrário, sempre tentava nos mostrar algo, algum princípio, ao ouvir nossas histórias do dia a dia. Aprendi a amá-la e a respeitar as pessoas idosas e, desde então, já ver as suas necessidades tanto físicas quanto psicológicas.

Creio que devemos cuidar dos “nossos velhinhos” com muito amor, pois eles se tornam muito frágeis e carentes, necessitando do nosso amparo e proteção.

Quando observo minha mãe, uma octagenária, completamente lúcida, com limitações físicas e sempre se colocando à disposição dos outros para aconselhar, orar pelas pessoas, participar das suas tristezas e alegrias, esperando que os filhos e os netos a visitem, dando um pouco de atenção e aconchego para tornar sua velhice mais tépida, chego à conclusão que a vida é muito fugaz...
Devemos dar mais valor aos nossos relacionamentos, principalmente com nossos familiares e amigos mais chegados.

Apesar de envelhecermos, temos uma missão, uma função em cada fase da nossa vida e, na medida em que o tempo passa, temos mais experiência, mais paciência, mais calma para podermos passar o que pudemos aprender na vida para as outras pessoas. E continuamos a aprender, sempre!
Aí está a emoção de viver!!! A cada dia, um novo desafio, uma experiência nova, algo a aprender, algo a trocar...(Será que estou sendo romântica demais? Creio que não).

Enquanto Deus nos der o fôlego da vida, peçamos a Ele sabedoria para sabermos o que nos cabe fazer a cada dia, em cada fase da nossa vida.

Enfim, há que se envelhecer, porém, sem perder a esperança, jamais!!!

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Animais, Animais.... Irracionais?!?!?!

Carmen Sílvia Musa Lício

Sempre achei importante cuidar de pessoas, afinal, elas têm alma! Achava o cúmulo pessoas se importarem tanto em salvar os cachorros de rua, se descabelarem quando morriam... Com tantas crianças abandonadas, sofrendo maus tratos!

Ultimamente tenho me perguntado se não é melhor cuidar de animais; afinal, eles são mais gratos do que os "humanos".

Quando cuidamos das pessoas, muitas vezes, elas se mostram ingratas e acham que não fizemos “nada a mais que a nossa obrigação”, mesmo quando nos desdobramos e conseguimos “fazer mágica”, tirando soluções da cartola, para que elas tenham suas necessidades básicas de saúde atendidas...

Pois é, estava eu no posto de saúde onde trabalho, tentando encaixar uma usuária que havia triado e considerado necessário uma consulta médica “a curto prazo”, quando tocou o meu celular. Era a secretária da veterinária dos meus animais me lembrando do retorno de uma das minhas cadelas, a Núbia (por favor, creiam, nada pessoal; já a herdei com este nome, quando uma “amiga” disse não poder desocupar o imóvel que eu havia alugado para ela, não pagando por mais de dois anos, devido ao fato de não ter com quem deixar a “pobrezinha”, ao que respondi prontamente: “pode deixar que eu cuido dela!”)

Bom, continuei a trabalhar e me lembrei de um filme que assisti há algum tempo chamado “Vida de Cachorro” onde mostrava as agruras de um homem e o seu cão ao serem “ligeiramente” atropelados, e os cuidados do dono com o seu animal, incluindo raio-X, retornos, remédios... Mostrava ainda os cuidados recebidos pelo homem quando percebeu, após cuidar do cachorro, que também estava com dores e dificuldades para andar.


O filme é muito engraçado, pois o cão é prontamente atendido e deixado confortavelmente em casa aos cuidados da namorada do rapaz, enquanto ele tem que pegar fila para a consulta médica, fila para fazer raio-X, fila para retornar ao médico, fila para tomar o medicamento, fila para isto e aquilo, e, após a peregrinação pelo hospital durante todo o dia, ao retornar ao seu lar o telefone toca; sua namorada atende e responde ao telefone que está tudo bem e tal, e, quando ele pergunta se é o seu médico querendo saber como ele estava, ela responde que é o veterinário...


Pior ainda (sim, tudo pode piorar), quando ele, engessado, resolve sentar-se em sua poltrona preferida, e qual não é a sua surpresa ao ver que já estava ocupada pelo “melhor amigo do homem”, seu cão.

Atualmente, não tão atualmente, o valor das pessoas parece ter diminuído muito. Tanto, que o povo parece não merecer mais nada; daí o descaso das autoridades (ou seria ao contrário?). As pessoas tentam, em fila, um atendimento médico para as suas mazelas, que muitas vezes são sociais, e não conseguem... E continuam andando em busca de alguém que minimize seus males. E a burocracia é tão grande e tão ineficaz que, frente a tantos obstáculos, as pessoas acabam se virando contra as próprias pessoas que estão tentando ajudá-las, como se elas fossem as responsáveis por tanta ineficiência e infortúnio. Acabam, às vezes, se “rudimentando”, e, nessa “rudimentação” se tornando como os animais, irracionais.

Em contrapartida, os animais, quando percebem que estamos cuidando deles, nos olham de uma forma tão agradecida que até “parecem gente”!!! Demonstram gratidão, fidelidade, carinho, companheirismo... Ainda assim, são considerados irracionais... Será?

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Esperando o Plantão Acabar...

Carmen Sílvia Musa Lício

É impressionante! Tem dias que tudo transcorre rapidamente, até parece que o tempo voa... Andamos de lá para cá fazendo inúmeras tarefas, atendendo cada paciente que nos procura, além daqueles que nos são encaminhados; fora os telefonemas a fazer e as muitas ligações a atender:
-“Aqui é o dr Homero, tudo bem? Aqui vai mais um caso de dengue para a vigilância fazer a visita domiciliar e a cobertura do foco”.


E lá vamos nós, os atletas da saúde, tentar dar conta de mais uma, só mais uma, além das inúmeras tarefas inadiáveis. Temos que solicitar a viatura (será que tem?), disponibilizar os auxiliares de enfermagem (que já são poucos para o trivial), dar conta do recado.

E que RECAAADO!!!

Para sermos bons profissionais temos que ser pacientes, apresentáveis, amáveis, profissionais, acolhedores, gentis, e mais isto, e mais aquilo, e muito mais, sem pensar nos entretantos e nos finalmente, é claro!!! Pois profissional que se preze tem que ser mais, muito mais...


É uma incongruência (êta palavra difícil !). Cuidamos da saúde de todos, damos soluções milagrosas (vai dizer que não é milagre conseguir exames complementares e especialistas para “um futuro próximo” na rede pública de saúde?!), fazemos e acontecemos,dentro das imensas limitações que nos são impostas. E nós não temos tempo para cuidarmos de nós mesmos, da nossa saúde, dos nossos familiares, do nosso lazer (que lazer?).


E a vida voa!!! E como voa... De repente os filhos cresceram, não “precisam” mais de nós e ficamos chocados com a rapidez com que o tempo passou e percebemos que, muitas vezes, cuidamos mais dos filhos e da família dos outros do que da nossa.

É nessa fase de vida que nos perguntamos se corremos atrás dos objetivos certos, se não valorizamos demais coisas que não deveriam ser tão valorizadas... É uma época de introspecção, de revalorização, de mudanças...

Bom, voltando ao início da nossa “conversa”, tem dias que o dia corre, mas tem dias, tem dias... que parece que o plantão vai durar uma eternidade...

É claro que é exagero, mas dá vontade de sair correndo até não ser mais encontrado, e, simplesmente, descansar. Descansar da tragédia do dia a dia alheia, dos pacientes exigentes que não cansam de lembrar-nos que são “eles que nos pagam o salário” (quem mandou ser funcionário público?), que nós temos a “obrigação” de darmos uma solução pronta para seus problemas de saúde, independentemente de termos ou não condições, e de não sermos um pronto socorro (ah! já adivinhou que trabalho num posto de saúde... ou... postinho, como dizem os usuários). Enfim, descansar de sermos diuturnamente os “repentistas da saúde”, sempre tentando dar uma solução, apesar das poucas condições locais, apesar do pouco reconhecimento, do pouco salário e até da fama de “vagabundos”.

Vagabundos!!! É de ficar estarrecido! Como podemos ser chamados de vagabundos quando ficamos, desde a hora que chegamos até a hora de sairmos trabalhando sem parar, tentando dar uma resposta a toda demanda, fora os relatórios (benditos relatórios!), os encaixes de consultas, o acolhimento da população, as escalas de serviço, a vigilância epidemiológica, os pedidos de oxigênio, a supervisão da UBS, os pedidos de medicamentos, de vacinas, de materiais, ais, ais, ais...

Você deve estar se perguntando: “Será que esta mulher escolheu a profissão certa?”. Eu mesma já me fiz esta pergunta muitas vezes, mas chego à conclusão de que gosto do que eu faço, apesar de tantos entretantos...e tão poucos finalmente.


Não há monotonia no nosso serviço, cada dia temos um novo desafio. Só gostaria de ser mais reconhecida, ter um retorno melhor, tanto financeira quanto profissionalmente.

Mas, o que nos consola mesmo é quando vemos um caso que parecia não ter solução ou muito difícil ser resolvido, não pelos trâmites usuais (pois jamaiiis seria a tempo do “infeliz” sobreviver), mas pela boa vontade de todos nós que trabalhamos de alguma forma para que tudo aconteça, apesar do descaso em que vivemos, servidores e usuários.

Assim, o mês vai passando... É verdade que o salário passa bem mais rápido que o mês e, quando conseguimos sobreviver a mais um mês, chego à conclusão que somos uns sonhadores inveterados, esperando que a Saúde um dia vá melhorar.

(publicado há uns 4 anos, mas continua atual!!! E como!!!)