Carmen Sílvia Musa Lício
Estava saindo de casa, correndo como sempre,
quando, ao virar a esquina, quase reatropelei um cão já atropelado, que estava
estirado no meio da rua... Pedi a uns rapazes que estavam por perto para
retirarem o cão da rua e o colocarem em cima da calçada... E fui trabalhar.
No serviço, ás vezes ficava pensando se o
encontraria ao retornar para casa, torcendo para que tivessem cuidado dele e o
dono já o tivesse levado embora...
Uma amiga minha, enfermeira, também se condoeu e chamou uma veterinária, sua amiga, para dar “uma olhada” e nos dar alguma orientação sobre os “cuidados de enfermagem”... Ela nos orientou a dar a cápsula de Bufferin, de 8/8h e não mexermos muito nele. Obedeci prontamente, pois ele ainda não tinha muita confiança em nós e aparentava sentir muita dor. Fiquei com medo de mexer nele e ele acabar por me morder, por medo ou dor, sei lá...
Minhas “animalas” latiam dia e noite,
principalmente quando eu ia cuidar do “intruso”. Puro ciúme...
O coitadinho ficou sendo cuidado ali mesmo
por uns 15 dias, até começar a se levantar, muito devagarinho... Eu dava ração
e água 2 vezes por dia e ficava perto enquanto comia, pois não queria deixar
ali, por medo de alguma briga com algum outro cachorro de rua devido à comida.
Deixava sempre uma vasilha com água limpa .
Minhas cadelas, na época eram a Magda, a
Minie e a Núbia e todas não se
conformavam pelo fato de eu estar cuidando do “lazarento”... Olhavam alarmadas!
Quando começou a melhorar, pedi a uma vizinha
da frente autorização para fazer uma casa de alvenaria na calçada de um terreno
que ela tinha ao lado da sua casa. Ela concordou e eu já havia falado com o
pedreiro, pois não havia meios da minha matilha aceitar o desconhecido. Ah!
Nestas alturas eu já havia batizado de Barango Kid, pois era de porte médio, de
cor amarelada, com os pelos de tamanho
médio, muito mal cuidado... Um verdadeiro “barango”! Ele já havia se acostumado
comigo e eu já o afagava, o que o deixava muito feliz.
Um dia, ao voltar para casa no final do dia,
conversei com ele, dei ração, água limpa e entrei... Logo depois me chamaram
dizendo que dois homens estavam subindo a rua, levando o Barango Kid com uma
corda amarrada ao pescoço.
Saí rapidamente atrás deles, os alcançando
quase no topo da rua. Perguntei quem eram e me disseram serem os donos e que
o Barango havia fugido de casa há quase
um mês e que só agora haviam sabido de seu paradeiro. Perguntei onde moravam e
disseram que era na favela...
Contei o que havia acontecido e perguntei se
podia visita-lo... Eu queria saber onde morava e se estaria sendo bem
cuidado... Me deram o endereço e foram embora...
Fiquei preocupada pois aquela corda no
pescoço não era uma boa referência... mas, o que eu podia fazer? Estava claro
que o cachorro conhecia os donos, mas não o vi seguir com tanta disposição,
muito menos sendo acarinhado, nem vi os donos com uma “expressão de felicidade”
(estavam mais é com cara de “até que enfim achamos o fujão”).
E assim foi... Voltando para casa, ao me virar, vi o Barango
seguindo os dois, com uma certa resignação... Quando chegaram ao topo da rua,
quando iam começar a desce-la do lado de lá, Barango Kid deu uma virada para
trás, olhou para mim, depois foi-se embora.
Após alguns dias resolvi visitar o Barango e
procurei o nº da rua até não poder mais, e nada de encontrar; ninguém conhecia
os tais sujeitos, nem o cão... Desisti então da busca inútil.
Nunca mais ouvi falar do mesmo, mas de vez em
quando ainda me lembro dele e do seu olhar ao se despedir de mim: olhar de
despedida e agradecimento, ao mesmo tempo.